Autoridades e especialistas discutiram os impactos da regulação da IA na indústria
Lúcia Rodrigues e Alex de Souza, Agência Indusnet Fiesp
Para discutir os impactos da regulação da Inteligência Artificial (IA) na indústria e como aliar avanço tecnológico e segurança jurídica, a Fiesp reuniu nesta segunda-feira (5/8), autoridades e especialistas para debater o tema. O ponto de partida foi o Projeto de Lei (PL) 2338/2023, proposto pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, que teve como base um trabalho elaborado por uma comissão especial de juristas.
O PL 2338/2023 estabelece princípios fundamentais, como não discriminação, segurança, transparência, responsabilidade e prestação de contas, que devem ser seguidos no desenvolvimento e utilização da Inteligência Artificial.
Em abril deste ano, o senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator do projeto e presidente da comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado Federal, apresentou o relatório preliminar que regulamenta o uso e o desenvolvimento da IA. O texto propõe a criação de um sistema nacional de fiscalização e mecanismos de autorregulação dos sistemas. Também lista proibições de aplicação e critérios de uso das ferramentas a serem disponibilizadas.
No evento da Fiesp, o senador Eduardo Gomes disse que Inteligência Artificial é um tema extremamente controverso em todo o mundo. Segundo ele, é um assunto desafiador, inovador e, em algumas áreas, até desconhecido. E que gera uma série de curiosidades, de avanços ideológicos e de assuntos paralelos que fazem com que o tema, permanentemente, tenha uma espécie de ataque de vírus de opiniões.
“Não tem sido fácil pontuar a regulação da tecnologia. Impossível discutir Inteligência Artificial sem a confusão que sempre é feita sobre a questão da Justiça Eleitoral, da fake news, do ambiente de segurança cibernética e no ambiente de proteção de dados”, diz. Segundo ele, o Brasil precisa decidir qual será o seu papel: se seguirá os Estados Unidos e a União Europeia ou se vai assumir a vanguarda.
“A partir da semana que vem, deveremos ter uma análise mais técnica e pontual sobre o desenvolvimento da Inteligência Artificial. Vamos consumir o que os outros países decidirem ou vamos desenvolver uma política que coloque, aos poucos, o Brasil em uma posição de vanguarda no debate do tema?”, questiona o senador.
Para o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, a Inteligência Artificial é uma oportunidade ímpar para que o Brasil busque melhorar o seu índice de produtividade e esta tecnologia não pode ser vista como uma ameaça.
“Temos que ver esse tema como uma oportunidade ímpar para conquistarmos espaços muito mais rápidos na produtividade e na competitividade da nossa indústria de transformação”, afirmou Josué.
Ele defendeu a necessidade de a regulação ter um peso menor na indústria de transformação que sofre com taxas de juros desproporcionais.
“Obviamente que o peso da regulação tem que estar sobre as grandes empresas e não sobre as pequenas empresas. Mas no setor industrial de transformação acho que este peso tem que ser retirado”, pontuou.
Josué disse que a Fiesp tem usado a Inteligência Artificial, através do Sesi-SP e do Senai-SP. “Temos feito um esforço muito grande para que a Inteligência Artificial melhore a educação dos nossos alunos, o treinamento dos nossos professores e a melhoria de produtividade de todos os setores industriais que atendemos”, relatou.
Ele citou uma parceria do Senai-SP com a Receita Federal como exemplo. Em 2021, a Receita Federal desativou seu sistema de dados estatísticos sobre operações aduaneiras, chamado Siscori.
O sistema é uma peça-chave para obtenção de informações mais detalhadas sobre as importações brasileiras, tais como preços de operação e unidades de desembaraço.
É fundamental para o combate de importações de produtos que não cumprem requisitos regulatórios importantes para a proteção da saúde pública e do meio ambiente, de produtos subfaturados ou de produtos com falsa declaração de origem ou de classificação fiscal.
“De mãos dadas com a Receita Federal, o Senai-SP está desenvolvendo uma metodologia de Inteligência Artificial para tornar anônimo os dados dos importadores. Com isso, esperamos que, a partir de janeiro de 2025, tenhamos a volta do Siscori, uma boa ferramenta de proteção ao comércio internacional”, explicou Josué.
Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), disse que o uso de Inteligência Artificial no Tribunal aprimora os processos internos.
Ele ressaltou que, no último ano, o TCU se tornou um dos primeiros órgãos no Brasil a oferecer tecnologia de IA conectada a vários sistemas internos, para ser usado por todos os servidores e colaboradores. O destaque é para o assistente virtual ChatTCU que já atende mais de 1.400 usuários no Tribunal.
Sobre o evento, Dantas afirmou que não se pode cogitar em construir uma legislação que vai impactar profundamente a atividade produtiva sem trazer para o debate uma instituição do tamanho da Fiesp. “Finalmente conseguimos trazer para a mesa de debates aqueles que vão ser responsáveis por aplicar essa nova legislação de maneira a não prejudicar o desenvolvimento do país”, afirmou.
Também participaram da abertura do evento, Carlos Baigorri, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Arthur Pereira Sabbat, diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e o diretor titular do Departamento Jurídico (Dejur) da Fiesp, Flávio Unes.
PAINÉIS TÉCNICOS
No primeiro painel, que abordou a gestão de risco como pano de fundo da regulação estatal, com suas vantagens e desvantagens, o moderador Flávio Unes, diretor titular do Dejur da Fiesp, recebeu a professora da UnB, Laura Schertel Ferreira Mendes, o secretário de Políticas Digitais da Presidência da República, João Caldeira Brant Monteiro de Castro, o vice-presidente e líder do Comitê Regulatório ABES, Andriei Gutierrez, e a gerente jurídico da Febraban, Roberta Buso.
Para a professora Mendes, é importante pensar na segurança jurídica e na elevação dos sistemas inovação. “O projeto está muito mais focado na regulação do uso da Inteligência Artificial do que no seu desenvolvimento”, disse. João Brant entende que “a regulação do uso e aplicação não são suficientes, porque grande parte das definições são efetivamente feitas pelo desenvolvedor”. E para Buso, a revisão foi adequada para o regramento necessário.
Andriei Gutierrez afirmou que em cinco anos não haverá empresa sem qualquer camada de Inteligência Artificial em seus sistemas, não necessariamente a inteligência artificial de alto risco, mas ela estará presente. “Precisamos desmistificar a Inteligência Artificial”, defendeu.
A governança dos sistemas de inteligência artificia foi o tema do segundo painel. Com moderação do diretor do Deseg da Fiesp, Rony Vainzof, debateram o assunto a diretora-adjunta do Dejur da Fiesp, Juliana Abrusio, o diretor de Relações Governamentais da Microsoft, Christian Perrone, e o advogado Fabrício da Mota Alves, especialista em Direito Digital.
“Nossa economia é sólida, mas a insegurança jurídica impede que o Brasil receba investimento externo”, disse Abrusio. Esse potencial econômico do Brasil não pode ser desperdiçado, de acordo com Perrone. “Se queremos pensar na IA para o futuro, precisamos pensar nas oportunidades”. Para Alves, contudo, “houve amadurecimento das instâncias de debate institucional, devido à participação dos setores regulados”.
Rony Vainzof também mediou o terceiro painel do dia, que tratou de autorregulação e sanções administrativas. Foram convidados para o debate o diretor de Inovação da CNI, Jefferson Gomes, o diretor-fundador do Data Privacy Brasil, Bruno Bioni, e a líder do Comitê de Privacidade do MID e DPO Brasil do Mercado Livre, Samantha Santos Oliveira.
“Autorregulação não é fácil de fazer, pois precisa equilibrar proteção, direitos e segurança jurídica, além dos custos e complexidade. É necessário harmonizar o entendimento. E nesse sentido, o projeto de lei foi bem-sucedido”, disse Oliveira.
Para Gomes, o mundo mudou drasticamente nos últimos anos e é necessário aperfeiçoar a regulamentação. “Mas tenho receio de que coloquemos um freio nesse processo. O texto da lei me parece bom”, disse ele. E Biondi ressaltou a importância de ter a previsão sancionatória mínima possível.
Com o tema sistema nacional de regulação e governança da Inteligência Artificial, Direito Autoriais, e o incentivo as Microempresas, o último painel teve a moderação de Flávio Unes, e a participação da diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Miriam Wimmer, do presidente da Anatel, Carlos Manuel Baigorri, do diretor do Center for Artificial Intelligence (C4AI) e professor da USP, Fabio Cozman, e da sócia do Mayer Brown e especialista no Artificial Intelligence Act, Ana Bruder.
“Criar um novo órgão seria um atraso de alguns anos na efetividade da legislação devido a dificuldades orçamentárias”, disse Wimmer em relação ao sistema. Para Cozman, a distribuição de competências precisa ser equacionada com recursos. Ao falar sobre o mercado de IA, Baigorri entende que é necessário abrir espaço para mais empresas, além das grandes Big Techs. “Não é só olhar para os direitos, mas garantir opções para o consumidor, ampliando a concorrência”. E Bruder entende ser necessário realizar a avaliação de impacto para a regulação e que os custos compensam os benefícios.