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PL 957/24: avanços ou retrocessos no Código de Mineração?

Projeto busca atualizar o Código de Mineração, mas deixa lacunas que podem gerar insegurança jurídica do setor

 

mineração ocupa o importante posto de atividade de utilidade pública e interesse nacional, como evidencia o 2°, I e II do Regulamento ao Código de Mineração (Decreto n° 9.406/2018).

Isto porque contribui significativamente para formação econômica e social do país. Afinal, o aproveitamento bem mineral ocorre através de inúmeras possibilidades, permitindo sua utilização em praticamente todos os setores produtivos: desde a indústria de base até cadeias produtivas complexas com a utilização de minerais estratégicos, como as terras raras, contribuindo para o desenvolvimento de tecnologias modernas.

Apesar da sua importância econômica e social, a atividade de mineração enfrenta grandes obstáculos em termos de segurança jurídica. O avanço dos métodos de aproveitamento, das tecnologias e o crescimento acelerado do setor não têm sido acompanhados por atualizações na legislação vigente.

Pensado nisso, a Câmara dos Deputados já havia instituído em 2021 um Grupo de Trabalhos – GT Minera, com escopo de modernizar o Código de Mineração, que aprovou um Relatório Final em dezembro de 2022.

Porém, apesar de todo o esforço e trabalho realizado, o GT Minera não resultou em alteração efetiva da legislação minerária do país, mas deu azo ao Projeto de Lei n° 957/2024, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados[1].

O citado Projeto Lei propõe importantes alterações no Código de Mineração, mas ignora pontos sensíveis para o setor.

Possíveis alterações a serem promovidas pelo PL n° 957/2024

Possibilidade de a área ser considerada livre, sem ressarcimento pela pesquisa

O PL estabelece, no seu art. 22, §4°, sanções mais severas para o descumprimento da obrigação, definindo multa com valor mínimo previsto no art. 64, acrescida de taxa anual por hectare da área de pesquisa e, ainda, prevê que após 60 dias de atraso a área será considerada livre, sem direito a ressarcimento pelo titular da pesquisa.

Muito embora a redação se proponha a enfrentar o problema de protelação e desinteresse dos titulares de pesquisa, há de se considerar que a imposição de sanções tão severas, como a perda da área sem qualquer forma de ressarcimento, pode acarretar efeitos não pretendidos pelo legislador.

Tal medida, ao invés de coibir práticas especulativas, que mantém áreas bloqueadas sem exploração efetiva, pode criar um ambiente de insegurança, afastando investidores e pesquisadores realmente interessados em desenvolver atividades minerárias de forma legítima.

Nesse sentido, esta ausência de mecanismos de flexibilização pode desestabilizar a relação entre o Poder Público e o setor de mineração, comprometendo não apenas a atratividade de novos investimentos e o fomento à atividade, mas também o equilíbrio na relação entre a fiscalização e as empresas do setor.

Uma medida salutar seria, talvez, possibilitar a indenização do antigo Requerente diretamente pelo novo, se aquele já houver entregado o relatório final de pesquisa, ou mesmo um parcial, a pretexto de se evitar o enriquecimento ilícito.

Exigência de garantias para o fechamento de mina

Outra significativa novidade proposta pelo PL, e que merece atenção, diz respeito à necessidade de garantias para o fechamento de mina.

O art. 41-B, caput, estabelece que o titular de uma concessão de lavra deverá apresentar à Agência Nacional de Mineração – ANM, no ato da outorga, garantias financeiras suficientes para custear a execução do plano de fechamento de mina, principalmente no que diz respeito à recuperação ambiental da área.

O novo dispositivo se propõe, então, a internalizar os custos ambientais e sociais advindos da atividade minerária, obrigando o empreendedor a se responsabilizar previamente pelo fechamento da mina e pelas medidas de recuperação que se fizerem necessárias.

Tal medida busca reduzir os riscos de passivos ambientais futuros e, até mesmo, se prevenir para que custos decorrentes de possíveis danos não sejam transferidos ao Estado ou à sociedade.

A exigência de garantias financeiras no momento da outorga, antes mesmo do início da exploração, de forma plena (e não apenas por meio da Guia de Utilização, que apresenta diversas limitações) pode representar um ônus considerável, especialmente para os pequenos e médios empreendimentos que ainda não possuem fluxo de caixa consolidado.

Na prática, então, a pretendida medida pode desestimular futuros investimentos no setor, dificultando a entrada dos pequenos e médios mineradores e beneficiando, de forma desigual, o grande minerador, em evidente afronta aos princípios da livre iniciativa e a competitividade, previstos na Lei n° 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica).

É certo que é a própria Constituição[2] quem determina o dever do minerador em reestabelecer as condições da área minerada, mas é importante lembrar que, recentemente, a própria ANM publicou a Consulta Pública 06/2024 que versava sobre o tema das garantias financeiras e, ao que tudo indica, até o momento, passados meses desde a sua abertura, não houve maiores progressos.

Atividades concomitantes através da permissão de lavra de superfície

Não obstante, o PL ainda prevê a criação da outorga de permissão de lavra de superfície pelo art. 57-A, entendida como conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento da jazida localizada em área onerada por requerimento ou autorização de pesquisa, desde que a jazida se processe em até 20 metros da superfície.

Em síntese, o PL propõe permitir a realização de atividades concomitantes: enquanto o titular da área estará realizando suas atividades de pesquisa, haverá um outro minerador exercendo atividade de lavra de superfície no mesmo local.

O PL justifica a alteração como uma forma de atualizar a legislação e impedir manobras que busquem retirar do mercado algumas jazidas, com intuito de frustrar a atividade de eventuais concorrentes e a livre iniciativa.

Porém, em que pese a nobre intenção, a sugestão ignora totalmente a dinamicidade imanente à atividade de mineração, a complexidade do licenciamento ambiental e, notadamente, pode criar um expressivo risco ao titular do requerimento ou autorização de pesquisa.

Ademais, muito embora o PL preveja que a lavra de superfície dependerá de anuência do titular, o Projeto também permite à Agência Nacional de Mineração – ANM suprir à autorização do titular, mediante parecer prévio, colocando em risco o aproveitamento econômico do bem mineral pelo titular e os investimentos financeiros dispendidos para a atividade, sobrepujando o princípio da prioridade, previsto no art. 11, a do Código de Mineração e art. 7° do Decreto n° 9.406/2018.

Falta de limitação temporal da Guia de Utilização

A Guia de Utilização, muito embora não seja qualificada como título minerário, é um instrumento indispensável ao desenvolvimento da mineração no país. Primeiro, porque viabiliza o financiamento da pesquisa mineral e, segundo, porque atende a determinados segmentos da mineração que detém dinâmicas próprias de mercado (como é o caso do “modismo”, inerente a diversas rochas de revestimento).

A estrutura técnica e administrativa que atualmente dispõe a ANM é incapaz de atender, de forma efetiva e célere, aos requerimentos de Portaria de Lavra, o que torna a Guia de Utilização um caminho viável para que parte expressiva dos empreendimentos minerários do país possa operar por meio de seu uso.

Há dados da própria ANM que revelam que, desde o protocolo do Relatório Final de Pesquisa, até a emissão da Portaria de Lavra, pode levar cerca de 25 anos[3].

Ocorre que, no pretexto de forçar uma resposta rápida pela ANM aos requerimentos de Portaria de Lavra, o Regulamento ao Código de Mineração (Decreto n° 9.406/2018), em seu parágrafo único do art. 24, restringiu a renovação da Guia de Utilização a somente uma única vez, por igual período em que foi inicialmente concedida (de um até três anos).

Ocorre que, desde a edição do Decreto n° 9.406/2018, o cenário permaneceu inalterado e a ANM ainda se mostra incapaz de dar resposta rápida e adequada aos requerimentos de Portaria de Lavra.

Apesar de toda essa complexidade, o PL não apresentou qualquer solução. Essa omissão reforça o que talvez seja hoje a maior fonte de insegurança jurídica para o minerador.

Em contrapartida, tratou com severidade o minerador que, eventualmente, opere em desconformidade com a Guia de Utilização, estipulando multas pela não apresentação de relatórios, que podem alcançar cifras expressivas, e até cancelamento.

Porém, o preocupante cenário persiste para o minerador: há um iminente risco de colapso, pois as Guias de Utilização concedidas na vigência do Decreto n° 9.406/2018 já foram renovadas e estão próximas do vencimento, sem qualquer norma jurídica que permita outra renovação.

O Projeto de Lei n. 957/2024 representa um passo relevante na tentativa de modernização do Código de Mineração, ao buscar alinhar a atividade minerária às exigências contemporâneas de sustentabilidade, responsabilidade socioambiental e maior eficiência regulatória.

Contudo, a proposta deixa de enfrentar alguns dos principais entraves que historicamente afetam o setor, em especial a insegurança jurídica relacionada à Guia de Utilização, ao mesmo tempo em que introduz medidas que podem gerar efeitos colaterais indesejados, como a concentração de mercado e a redução da competitividade.

O desafio legislativo, portanto, consiste em equilibrar a proteção ambiental e o interesse público com a viabilidade econômica dos empreendimentos, como pretendido pelo Plano Nacional de Mineração 2050, assegurando que as novas regras não inviabilizem a atuação de pequenos e médios mineradores, nem comprometam o princípio da prioridade e da livre iniciativa.

Para que o PL alcance seu propósito de modernização, será indispensável promover ajustes que reforcem a segurança jurídica, a previsibilidade regulatória e a compatibilidade com os princípios constitucionais que regem a ordem econômica, ambiental e minerária.

 

Fonte: Jota Info